4.5.10

Foto: Yves

Ninguém percebeu que eu cerrava o dia por pressa/ Porque ser presa liberta um tanto/ Mas só aquilo que a gente cria sem saber.

Faz sentido ter sono e gastrite.
Foto: Yves



Ela sorriu de si. E arqueou a cabeça para baixo, negando ao chão o propósito do limite. Não, nada mais acabaria. Nem aquela noite mesmo se o dia lavasse a calçada em baldes verdes. Limpando o infecto da noite que sempre azeda um pouco antes do sol.


E era um ano que fedia. As ruas vertiam as tintas molhadas de panfletos que até os postes devolviam ao léu. “Para mudar”. “Compromisso com a cidade”. “Pela educação”. Uns rostos sorrindo de canto. Olhando para o nada. Um ano onde era difícil entender o que ela cochichava com a amiga de echarpe laranja-fim-de-tarde-visto-do-Paço. E os mais românticos, talvez, tentassem descobrir qual era sua canção preferida. Ou proferida em segredo de dentes. Mas havia os malditos jingles compostos em cima de funk´s cariocas e músicas sertanejas universitária.

Ela se ia além de si. Horas na mesma posição. Entrou a moça de jeans e sapatilha. A outra de espartilho aparente. Derrubou uma garrafa um outro que flutuava de casaco com golas tapando os ouvidos. Lá no fundo, um músico com olhar fixo para a mais cheia das mesas tropeçava frases, buscava uma reprova que nunca chegava. E convencido dedilhava mais uma canção triste como devem ser as canções nas noites que irão azedar, por fim.

Ninguém combinava com o lugar, nem o lugar combinava com as mesas empilhadas. Tudo ali nascera para o confronto mais do que para o conforto. O banheiro fétido, o balcão alto e as imagens sempre de alguém de costas olhando um fundo de nada. Nem mar nem céu. Ela estava sombreada pela luz amarela que deveria ter se perdido às vistas do design. Em uma mesa com gente como nas outras mesas. Com conversas paralelas. A música triste não manchava a alegria criada pela fermentação dos líquidos. Ela tinha um borrão na maquiagem. Talvez pela alergia à fumaça que o garçom pulverizava em formas de desenho no ambiente. Talvez por dor de dente de cerrar palavras. Qual seria a mensagem que não sabia dizer, mas trazia na camiseta lilás? Promete? E tanto era modo de moda e modo de dizer medo. Mas ela disse: SUCRERIE. Com um forjado francês, e riu-se toda.


Foto: Yves


MoraDOR

Desossaram a velha casa, tijolo por tijolo. E a esquina virou campo de pó em aberto. Onde o olho caía no poço de tanta imensidão de nada.


Em aberto.

Do outro lado da rua de dentro do olho, o homem via o outro derrubando seus tijolos, osso por osso. Do tempo quando ainda era moço.

E envelheceu um quarteirão de poeira nos olhos.

8.4.10

Naquela Mesa

Do canto esquerdo do isqueiro, copos disformes


Amassar latinhas

A massa morfa mofa e move as ventanas com a língua

Ledo esforço


Do canto esquerdo do nó, o peito

Entre correntinhas

E a moça demora nas entrelinhas

Mero esboço


Do canto esquerdo do direito, ele mesmo

Centro da rinha

E a mesa parte, sem as partes

Medo deposto

25.3.10

Dos "Famas"

Toda hora desprendia de uma pressa. Relógio nenhum pontuava o gosto de saliva em vinha. Via da tudo com demoras. Mas ruminava em vísceras. A voz, a voz... Desta vez. Como em outras: desta vez. Mas nunca ainda era.

Frente-verso

.precisando me fazer um carinho. e te fazer um verso. mas de frente.

28.11.09

Entre o céu e o mar


Navegar, nem sempre é preciso; nesse caso, navegar é muito incerto. A única coisa certa, em se tratando de Antártida é a incerteza. Previsão, cronogramas e afins servem para uma única coisa: sofrerem alterações. Enquanto escrevo, sentada em frente ao Estreito de Magalhães, no cais da Asmar, onde está ancorado o Navio de Apoio às Pesquisas Oceonográficas (Napoc) Brasileiro, Ary Rongel (incorporado à Marinha desde 1984), a única informação precisa que tenho quanto a nossa ida ao continente é que 'nada está certo', como afirmou o Comandante Romualdo, da assessoria de imprensa da Marinha do Brasil.

A única previsão que seguimos aqui é a do tempo e, segundo os meteorologistas, as coisas não estão nada propícias ao embarque, seja pelo mar ou pelo ar. Até o momento em que escrevo (19h no horário de Brasília), a maioria da tripulação considera mais provável que embarquemos nesta terça-feira, mas de carona com o avião de apoio da Força Aérea Brasileira (FAB).

A idéia não me agrada muito, tampouco os outros companheiros da imprensa. Antes de virmos até Punta Arenas, a Marinha nos deixou a liberdade para escolher se queríamos realizar a travessia com o navio ou com o avião. Quem está aqui, já estava 'psicologicamente' preparado para viver as aventuras do temido 'Drake', um dos locais com as piores condições meteorológicas para a navegação, e um desafio para qualquer marinheiro, principalmente os de primeira viagem. Na segunda-feira, as informações oficiais eram de que as ondas no Drake chegavam aos 8 metros.

A Marinha não descartou a possibilidade de voltarmos, então, pelo mar, caso confirme a ida com o avião, que realiza a travessia até a Baía do Almirantado - endereço do Brasil no Antártida - em cerca de 3h, bastante diferente da travessia marítima, que leva cerca de 4 dias, caso o 'Drake' esteja mais 'tranquilo'.

Enquanto aguardamos uma posição oficial, o melhor que há para se fazer aqui, já embarcados no navio, é conhecer melhor as instalações.

Toda a imprensa que participará desta fase da Operação Antártica (Operantar) embarcou no domingo. Como 'toda', leia-se eu, mais o repórter do Estadão Carlos Orsi, e dois repórteres cinematográficos da Cia. do Filme, de Brasília, que estão filmando um documentário.

Os demais fizeram a opção de irem pelo 'ar', e na segunda-feira levantaram voo rumo ao continente. Caso confirmem nossa ida nesta terça-feira, provavelmente na quarta-feira já estaremos na Base Comandante Ferraz, conhecendo seus 60 módulos que abrigam militares para a manutenção e pesquisadores. Lá, são realizadas importantes pesquisas sobre biologia, geologia, oceanografia e, principalmente, mudanças climáticas, já que a Antártida é o local mais apropriado para os estudos sobre aquecimento global, camada de ozônio e outras mutações climáticas que interferem, diretamente, na vida do planeta.

No primeiro dia no Ary Rongel tudo foi novo, a começar pelos acomodações. Depois de dois dias hospedada em um hotel 4 estrelas, com cama gigante e banheira de hidromassagem, senti na pele o motivo da tripulação chamar, carinhosamente, os aposentos de 'Sarcófago'. Eu chamaria de gaveta, que me pareceu bastante similar. O principal problema está na 'operação' para caber em uma das camas do treliche - são dois em um único quarto que ainda tem banheiro e armários. Depois do malabarismo inicial, tudo volta a normalidade e dorme-se bem; é só não ser claustrofóbico.

Na rotina diária, os oficiais se esforçam para que nos sintamos à vontade e conseguem. Na segunda-feira, após o almoço ( arroz, feijão carioca para combinar com a tripulação, salada e filé de frango grelhado), teve ainda um bolo em comemoração ao aniversário de médico responsável pela tripulação. O que se sente é que a intenção é tornar o ambiente o mais familiar possível, mesmo sob uma rotina militar. A maioria regressará para casa apenas no que é considerado o início do inverno antártico, em março.

Com uma tarde de primavera onde a temperatura máxima é de 4 graus centígrados, não fica difícil entender o motivo que leva a Marinha a considerar apenas duas estações para a realização da operação; outono e inverno é quando as condições de acesso ao continente são mais delicadas, por esse motivo, apenas militares e pesquisadores pemanecem no local. Na primavera e no verão austral dá-se o descongelamento das geleiras e a diminuição nas passagens de frentes frias que impedem a locomoção, e é nessa época em que se realizam as Operantar’s, que vão de outubro até março.

Até logo, América!




Punta Arenas está em clima de eleições parlamentares e a zona portuária em obras. Graças ao Sol, que não se intimidou em aparecer no domingo, foi possível fazer um reconhecimento melhor da cidade onde é fácil andar a pé, sem mapas, e não se perder. Como de praxe dominical, as ruas varridas pelos ventos estavam vazias e silentes. Ontem foi meu último dia na cidade. Agora estou no Navio Oceonográfico Ary Rangel, onde embarquei ontem e, dependendo das condições meteorológicas, partiremos nesta manhã. Se o mar estiver calmo e não tivermos que apoiar alguns projetos, devemos aportar quarta-feira na Baía do Almirantado, endereço oficial da base brasileira na Antártida.

Mesmo na última cidade antes do continente gelado, dizer que está indo à Antártida causa frisson muito parecido com o que ocorre no Brasil. Também me questionam sobre o que irei fazer, se não prefiro ficar na cidade ou por qual motivo não estou no Brasil, curtindo a primavera quente tupiniquin. A Antártida, para eles, é apenas um apelo turístico, pois a maioria das pessoas não embarca até o continente que, mesmo fazendo parte de alguns roteiros de agências de viagem, ainda é limitado à milícia, pesquisadores, jornalistas e políticos. Sim, nos últimos tempos, a base brasileira recebeu muita visita de parlamentares, como a do deputado federal sorocabano Renato Amary (PSDB), que também visitou a base. No início de 2008 foi a vez do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conhecer a casa brasileira no continente, em decorrência de um repasse de incentivo à pesquisa no local.

Antes da despedida da cidade mais austral do mundo, fui conhecer alguns pontos locais, sem roteiro, indo à mercê do vento. Primeira parada no Museu Regional de Magallanes - gratuito, acessível e com muita informação - um passeio desde a pré-história dos povos locais, explorações, desbravadores, até a formação da cidade. O Museu está instalado na antiga residência de Maurício Braun, um dos impulsionadores do desenvolvimento local. A chegada do homem branco, as lendas indígenas e a defesa chilena do território, que já vinha sendo invadido pelos europeus, estão espalhadas em fotos, utensílios e documentos - a maioria marítimos. No mesmo local, ocorria uma exposição de máscaras artesanais.

Bem próximo fica o Museu Naval, um dos locais que mais eu queria conhecer, porém estava fechado e a visita ficará para a volta, marcada para o dia 17 de dezembro. Enquanto avançamos a cidade, de encontro à zona portuária, os ventos começam a ficar mais intensos e o frio mais impiedoso. Mesmo com o peso do corpo, das roupas e de uma mochila, o sopro consegue desiquilibrar, quanto mais próximo chegamos do mar. A vista compensou: um mar azul e enfurecido quebrando numa praia de areia escura, guardava navios de diferentes cores, tamanhos e nacionalidades. Um encontro de extrema beleza entre o mar e a cidade, mas em contraste com garrafas e roupas deixadas na estreita linha de areia, tomada de conchas.
Na cidade onde as horas exatas e as horas e meia são anunciadas pelo badalar de um sino, fora cafés, bares e restaurantes, a única coisa que vi aberta no domingo foi uma casa de câmbio, já que turista é o que não falta, mesmo que muitos do próprio Chile. Nos Pubs misturam-se raças. Dizer obrigada é a senha para ouvir rasgados elogios ao Brasil e ganhar instantaneamente amigos. A simpatia pelo País é incontestável e a maioria dos chilenos tem uma história relacionada ao Brasil.

A partir de agora, a viagem tomará outras cores e formas e passará a depender exclusivamente das ordens da natureza. Quanto mais nos aproximarmos do continente, mais ficaremos à mercê das condições meteorológicas. Enquanto os oficiais da Marinha não veem a hora de cruzar o Estreito de Drake - um dos locais com condições meteorológicas mais complicadas para a navegação e que leva cerca de 36 horas para ser atravessado. Aqui, a marinheira de primeira viagem só espera ter condições físicas para continuar contando histórias da travessia. Ah, e por motivo de trabalho do oficial da Marinha sorocabano, o Eugênio, a entrevista com ele teve que ser adiada e o assunto ficará para um próximo Diário de Bordo. 

Antes do embarque, uma parada no bar do Carioca para conferir o jogo do Flamengo com a tripulação carioca. Hasta!

15.8.09

(Flores e Cabos - Imagem by Yves)

.As palavras usam sapatos dois números maiores que o pé da letra.


31.5.09

-estranho. mas o conhecia como a letra inteira de uma música perdida. pela melodia. e era um dia inteiro depois das tardes. como se inaugurasse o sol nas encostas da noite. depois de toda morte. soprava ao pé do ouvido. e os pés partiam em mim em ladrilhos. todos desconhecidos. riscando novos riscos. arrancando a letra que forma o nome. comprido. cumprindo à risca a sentença de estarmos vivos. e sós. agora restam as letras do seu nome. não se repetem. percebo. quase soprado. beijo na face. as vezes eu mordo a língua. e não te acho mais.__MF

18.6.08

Outono

Então me vêm os astros. Dominar aquilo que eu em sei. E eu me entrego toda em explosões estelares. Viro fagulhas de algum Big Bang interno. Uso termos coesos. E eu que nem sei.
Mas a esta altura, o que é bom pode durar toda a vida, e eu já não tenho a pressa presa aos cabelos. Eu entendo até o desacelerado das horas. E compro promessas para cumprir num dia de santo.Há tempos guardo num pano o plano de estarmos bem e só – e daqui, de longe, me parece ato solene. Então peço sirenes pela cidade. Que me alardeiem do quanto distante é o querer da pelugem da sua nuca. Que nunca se anuncia. Diferente desta estação indefinida que me invade toda.